Finalmente tomei coragem e comecei a escrever o livro.
Dá um nervoso danado porque nunca escrevi romance, mas estou indo aos poucos.
Resolvi mostrar um capítulo daquele que só é chamado de "O LIVRO".
Se eu sou ruim pra dar nome em música, imagine em livro.
CAPÍTULO
3
“ Eu
vou chamar Zé Tambozeiro pra bater tambor de Angola”
Candeia
Samuel
estava cansado. Tinha tocado a noite toda na festa da padroeira da
cidade, ainda meio bêbado, suado, mas estava contente.
Era o
que mais gostava de fazer na vida: tocar pro santo, fosse o santo
católico, fosse africano. Era um ogan desde o nascimento, sempre
soube que a sua missão na terra era fazer a ligação entre os
mundos, carregar no peito o peso das contas, assumir a
responsabilidade. Mas ainda era moço, ainda tinha que viver o que
tinha que viver antes de aceitar seu destino. Por causa disso ele se
divertia sem limites. E tocava todo o dia, mesmo que fosse sozinho na
beira do mar, pra sua mãe Yemanjá.
Não
havia na região melhor batuqueiro que ele. Ninguém tirava o som do
couro como aquele mulato magro e comprido conseguia tirar. Parecia
feitiço, parecia que ele tinha alguma coisa com o tinhoso de tão
danado que era..
Samuel
gostava de contar nas rodas de malandragem, durante as madrugadas de
farra e bebida, que quando ele nasceu o próprio Exu veio assistir o
parto, exigindo pra si o menino recém nascido. Foi a sua própria
mãe que interferiu porque ela não aceitaria de jeito nenhum ter
filho de baixo de pé de Exu. Ainda mais ela, mãe solteira, sem pai
pra ajudar a criar filho. Aquele alemão só tinha servido mesmo pra
falar umas palavras embrulhadas na sua orelha, cafungado em seu
pescoço, se divertido em sua cama. Tomou a estrada e nunca mais deu
notícias. Era ela, Tônia, sozinha que iria ter que colocar esse
menino no caminho do certo, então nem morta que ela iria deixar que
Exu viesse tirar seu filho do caminho porque ela bem sabia que os
filhos de Exu são difíceis de cuidar e de controlar. Não, de jeito
nenhum! Então, quando viu ao pé de sua cama a figura de Exu
sorrindo com os braços estendidos, gritou por seu Orixá protetor e
pediu que fosse Ogum que viesse cuidar de seu filho. Gritou tanto e
tão alto que lá no barracão do seu terreiro o chão tremeu porque
Ogum tinha ouvido seu chamado e veio galopando,girando sua espada,
num grito de guerra. Veio feliz da vida porque poder guerrear com seu
irmão era sempre uma felicidade. Dizem que nessa noite dava pra
ouvir o barulho do aço e do ferro batendo na batalha entre Ogum e
Exu pela cabeça do menino. Era só fagulha e estilhaço de metal
correndo o céu daquela noite. O resto do povo diz que foi uma chuva
de meteoritos, mas quem é do axé sabe que tudo que é da natureza é
o orixá mostrando sua força. O que ninguém imaginava é que a
batalha demorasse tanto, mas tanto, que obrigou a Oxalá intervir e
foi ele que tomou à frente e pegou pra si o pequeno Samuel.
Dizem que
quando Ogum e Exu caíram no chão de cansaço, sem ninguém vencer a
ninguém, se deram conta da presença de Oxalá, imenso e brilhante
em sua roupa branca, sua espada reluzente e seu escudo, rindo alto
com a criança em seu braço. “ Esse não é nem seu, Exu, nem seu
, Ogum. Esse é meu”! E colocou no pescoço do menino um fio de
contas brancas e uma pequena firma vermelha que até hoje Samuel
carrega no pescoço.
Samuel
jura que nunca aumentou o fio da conta, que ela cresceu conforme ele
foi crescendo e que isso é coisa de Orixá. Também gosta de dizer
que foi desejado por Exu, disputado por Ogum e abraçado por Oxalá.
Então é por isso que ele é o melhor ogan da região e também o
melhor capoeirista, e o melhor amante, e tudo que for melhor, maior e
mais impressionante. Destino é destino! E mesmo falando com essa
arrogância juvenil consegue ter a simpatia e tirar risos de todos
que o ouvem. E assim faz a sua fama e , literalmente, deita na cama.
Mas nesta
noite Samuel está cansado e sente que daqui a pouco as coisas vão
ter que mudar.
Sente uma
tristeza sem identificar ao certo o porquê.
Decide
que amanhã mesmo iria pra beira da praia pedir orientação à
Yemanjá.
Alguma
coisa está pra acontecer.
6 comentários:
Kd os capítulos 1e 2?
Uma delícia de ler. cheio de imagens e sons. Quero mais.
Uma delícia de ler. cheio de imagens e sons. Quero mais.
Vamos aguardar; essa moça sabe das coisas e sabe dizê-las de modo interessante e convincente.
Gostei!
FINANCIAMENTO COLETIVO DO LIVRO
www.benfeitoria.com/brigadadeoxalá
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